Literatura de Cordel
...A Cultura Popular é um magnífico tesouro que enobrece a alma do nosso país, encantando e dando lenitivo aos nossos corações. Ela abrange um elenco de manifestações que fazem parte do cotidiano do povo; um relicário de valores expressivos que vão se perpetuando através das gerações, e alimentando a memória viva da nação. Aqui, daremos enfoque especial a uma das principais expressões culturais da nossa população, a Literatura Popular..."
Parte da obra constante do Livro “O Reino Encantado do Cordel – A Cultura Popular na Educação”, de Rubenio Marcelo
Conheça mais sobre a Literatura de cordel
Cordel e cordelista
- A doença do rico é a saúde do pobre, por Jota Rodrigues
- Encontro de Lampião com Kung Fu em Juazeiro do Norte, por Abraão Batista
- Ele viveu há três mil anos atrás, por José Severino Cristóvão
- Dois glosadores: Azulão e Borborema, por João Ferreira de Lima
- Discussão de João Formiga com Francisco Parafuso, por Severino Borges da Silva
- Arrebenta Mundo, por João José da Silva
- Apolinário e Helena entre os laços do amor, por Apolônio Alves dos Santos
- ABC da saudade, por Luiz da Costa Pinheiro
- A vida de um grande folclorista brasileiro, por Rodolfo Coelho Cavalcante
- A peleja de Leandro Gomes com uma velha de Sergipe, por Leandro Gomes de Barros
A doença do rico é a saúde do pobre
Ou senhora Aparecida
Santa padroeira nodre
Abençoai este livro
Que minha pena descobre
Sobre a doença do rico
Ou a saúde do pobreA vinte e três de setembro
Linha manhã domingueira
O poeta Zé Rodrigues
Vendendo cordel na feira
Teve atenção despertada
Com uma visita hospitaleira
Era o douto Hézio Cordeiro
Com um outro médico ao seu lado
E uma senhora distinta
Com os anéis de doutorado
E os três procurava xilos
Grande em canudo enrolado
E não tendo a xilogravura
Que o dotô Hézio pedia
Zé Rodrigues prometeu
Que de São Paulo trazia
Sem prazo estipulado
podendo ser qualquer dia
E na noite de São Cristóvão
Numa palestra sadia
Muito respeitosamente
O doutor Hézio pedia
Que Zé Rodrigue escrevesse
Dois livros com primazia
E com muito zelo e carinho
Escrevo este primeiro
Ilustro o pobre e o rico
Por sorriso e desespero
E ofereço aos meu leitores
E ao doutor Hézio Cordeiro
Neste verso começamos
A pequena discrição
Quando eu na maternidade
Fui visitar dois pagão
Um era filho de um rico
E o outro de um pobretão
O filho do rico estava
Com manta e enxoval bordado
Trancelim de ouro fino
Sapatinhos prateado
Num berço chique e elegante
E seis enfermeiras de lado
O filho do pobre estava
Numa grade de madeira
Sem manto e enxoval
Sem sapato ou enfermeira
Sem bico e sem trancelim
Na mais profunda berreira
Chegando o médico parteiro
Deu alta às duas mulher
A mulher do rico foi
Pra São Francisco Xavier
E a mulher do pobre foi
Pra favela do Jacaré
Chegou a mulher do rico
Na sua rica mansão
E depressa duas babá
Correro para o portão
Pra receber o garoto
Filho do rico patrão
O menino pobre tem
Mingau de fubá cozido
Sem leite tôd ou aveia
Aguado e sempre dormido
E até sem leite materno
Que o da mamãe foi sumido
O filho rico tem berço
Pijaminha e mosquiteiro
Tem ar condicionado
pra soprale o dia inteiro
Não panha sol nem sereno
Nem brinca pelos terreiro
E na casa da mulher rica
As coisas muda de tom
Tem leite materno forte
Aveia e ninho do bom
Tem canjinha de legume
Tem tôd e leite elêdon
O menino pobre tem
Shortinho e cueiro rasgado
Sem pijama ou mosquiteiro
Nem ar condicionado
Por berço tem o chão frio
E coberta é saco emendado
Cria-se o menino rico
Com maiores regalia
Não toma banho na chuva
Não pisa em terra fria
Não pode apanhar poeira
Porque sofre de elegia
Cria se o menino pobre
Dormindo pelas calçada
Tomando banho na poeira
E nas valas enlamaçada
Papando barro e tijolo
E a barriga toda inchada
Aos vinte anos de idade
O menino rico é rapaz
E pra conservar a saúde
As previdências é demais
Não bebe água de poço
E pisar descalço jamais
Enquanto o menino pobre
Já tem os pés calejado
Pisando em caco de vidro
Pregos ou arame enfarpado
Bebe água até de vala
E tem saúde e é corado
O menino pobre anda
Descalço sujo e rasgado
Panha chuva noite inteira
Passa um sufoco danado
E não sente dor nem canseira
Pois já tem o lombo curado.
Se o rico apanha uma chuva
Sofre o maior desmantelo
Dói ouvido, dói garganta
Dói cabeça e cotovelo
Tem febre e um suor frio
Em cada fio de cabelo
O pobre dorme em chão frio
Nas gigantes construção
Panha chuva noite e dia
Entre relâmpago e trovão
Faz pernoite nas calçada
E tem saúde de um leão
Se o rico pega uma gripe
E solta um espirro forte
Recolhe-se ao seu leito
Se maldizendo da sorte
Consulta com o médico e diz
Que esta na hora da morte
O rico quase todo dia
Mede a sua pressão
Vai ao cardiologista
Examina o coração
Mas qualquer dor de barriga
O tira de circulação
O pobre já nem si lembra
Da barriga ou coração
Suas massage é nos trens
De Japeri ou Barao
E sua cardiologia
É os chute na condução
O rico sem fazer nada
Sente dor, sente cansaço
Sente moleza no corpo
Sente fraqueza nos braço
Sente desânimo e preguiça
Sente-se em si um fracasso
O pobre não sente nada
Pois o seu tempo não dá
Para preguiça ou cansaço
Em seu corpo penetrar
Tão grande é seu sofrimento
Que isto não o faz abalar
Um rico encontra com outro
E vai logo perguntando
Como vamos de saúde
E responde o outro chorando
Estou com uma dor de cabeça
E a morte esta me chamando
Um pobre encontra com outro
Morrendo a fome e doente
Já pergunta como vai
O outro responde soridente
Sou cheio de vida e saúde
Esconde as dores que sente
Resumo neste livrinho
O tratado verdadeiro
Dos males do rico e o pobre
Reconhecendo o primeiro
Ilustríssimo doutor
Grande homem que me inspire
O nobre Hézio Cordeiro
O livro está terminado
Levem um pra me ajudar
Isto servirá de exemplo
Veja o luxo o que é que dá
Eu sou um pobre também
Rolo no chão e nada vem
A minha saúde abalar
Encontro de Lampião com Kung Fu em Juazeiro do Norte, por Abraão Batista
Meu leitor, meu amiguinho
Permita a imaginação
Desse encontro imaginário
De Kung Fu com Lampião
Na cidade de Juazeiro
De Padre Cícero Romão...Pois bem, eu vou dizer
Como foi que aconteceu
Dizendo quem se feriu
Quem matou e quem morreu
Depois diga por aí
Quem contou isso foi eu
Mas se lembre esta história
É livre e imaginária
Vem do direito do poeta
Que tem na indumentária
Do infinito astucioso
Que não tem medo de pária
Lampião, todos conhecem
Mas não sabem interpretar
Só sabem falar mal dele
Porque não quiseram indagar
A causa que ele abraçou
E o que o forçou a matar
Se Lampião foi cangaceiro
Foi que o forçaram a matar
Ele era bom e justiceiro
Antes de o incriminar
Pois a justiça dos homens
Às vezes não sabe julgar
No entanto, o meu assunto
O que agora vou descrever
É de Lampião, o cangaceiro
Com Kung Fu do caratê
E se você não o conhece
Vai agora o conhecer
Eu já falei de Lampião
Que é um herói invisível
Nesse momento de Kung Fu
Que é um chinês invencível
Nas grandes lutas de morte
Sempre foi o imbatível
A China tem o seu herói
Que luta pela justiça
Aprendeu as leis dos monges
Que desprezam a vã cobiça
E desde pequeno, que ele
Teve escola sem malícia
Kung Fu desde pequeno
Ficou sozinho no mundo
E os monges do Himalaia
Não o quiseram um vagabundo
Acolheram-no no mosteiro
Ensinando-o todo segundo
Depois que Kung Fu cresceu
Saiu pelo mundo a fora
Procurando fazer justiça
O que sua cartilha decora
A perseguição e a cobiça
São coisas que mais deplora
Kung Fu fez uma promessa
Para no santo Juazeiro
Visitar padrinho Cícero
Que é santo por primeiro
Veio a pé, veio a cavalo
E de navio, como romeiro
Desembarcou em Fortaleza
Do Ceará, a capital
E o resto desse percurso
Fez a pé, e não fez mal
Porque ele é um atleta
Cuja força é sem igual
Lampião, por esse tempo
O mesmo ato resolveu
Só não sei onde estava
Se no inferno, ou no céu
Eu só sei que no mesmo dia
Por aqui, apareceu
E no túmulo do "meu padrinho"
Os dois valentes se encontraram
Parecendo, no mesmo instante
Ao mesmo tempo, se ajoelharam
Quando nos ares, os seus olhares
Como relâmpagos se entrechocaram
Lampião olhou esquivo
Para Kung Fu, e indagou
Onde moras, ó meu irmão?
E Kung Fu lhe afirmou:
— Sou habitante desse mundo
E com capricho suspirou
Os dois se levantaram
E saíram pela igreja
Mas, por fora no patamar
Tinha um soldado com inveja
E gritou para Lampião:
— Tu não perdeste a peleja
Lampião não quis conversar
Depressa meteu-lhe a faca
Dando um só golpe certeiro
E inteiro, cortou-lhe a maca
Que o soldado caiu rolando
Gritando como macaca
Kung Fu vendo aquilo
Deu um pulo para trás
E Lampião na bruta calma
Sem perder o seu cartaz
Limpou a faca e guardou
No seu gesto costumaz
Kung Fu disse assim:
— Que é isso, Lampião?
És homem ou assassino
Que ignoras o teu irmão!
Mas Lampião respondeu:
— Tudo isso é ilusão
Kung Fu vendo aquilo
Depressa se indignou
Com força pra Lampião
Num tom grave assim falou:
— Procedimento igual a esse
Nesse momento terminou!Lampião sorriu pra ele
E com um punhal na mão
Despalitou a dentadura
Pra depois cuspir no chão
Respondendo pra Kung Fu:
— És atrevido, tenho impressão
Kung Fu ouvindo isso
Parece que não gostou
Fez um gesto de caratê
Que Lampião lhe apontou
Disparando duma só vez
Seis descargas mas não acertou
Kung Fu tem uma espada
De aço, bem temperado
E livrou-se daquelas balas
De um golpe inesperado
Cortando as balas no meio
Pois quem viu ficou assombrado
Kung Fu de um só pulo
Do fuzil, o cano entortou
Com um golpe dado com a mão
A cem metros do arremessou
E quem quiser vá ao museu
Para ver como ficou
Lampião disse: — Oxente
Quem já se viu coisa assim
Mas Kung Fu de repente
Malhou seu espadachim
E Lampião pulou gritando:
— Hoje tudo está pra mim
Com uma espada grande
Kung Fu nele malhou
Lampião com uma peixeira
Seus planos atrapalhou
Mas Kung Fu com sua espada
A peixeira dele cortou
Lampião: — Virgem Maria
Que espada desgraçada!
E do meio da cintura
Puxou a faca lombada
E partindo desse momento
Teve a briga recomeçada
Quando a espada de Kung Fu
Batia na faca de Lampião
Com quarenta léguas se via
Aquele enorme clarão
Que o povo de Pernambuco
Pensou que era ilusão
Kung Fu roçava a espada
Lampião se defendia
Com uma faca lombada
Cortando de travessia
E os golpes daquelas armas
De longe a gente ouvia
Se Lampião saltava alto
Kung Fu também saltava
Naquela briga feroz
O fogo azul que faiscava
Tinha um brilho tão grande
Que o dia ofuscava
Kung Fu deu um pulo alto
Para confundir Lampião
Mas ele fez um rodízio
Rodando que nem pião
Que Kung Fu quando baixou
Quase que perdia a mão
Para se livrar um do outro
Pulavam mais do que bode
Corriam mais do que ema
Que a areia com os pés sacode
Mas aquilo para eles dois
Era gostoso como um pagode
Nessa luta eles passaram
Sem dormir sem descansar
Sete noites e sete dias
É o que posso lhe contar
Suavam como chaleiras
Mas não queriam se entregar
Um olhava para o outro
Reconhecendo do seu valor
Mas a vontade de brigar
Ardia com mais calor
E a luta recomeçava
Com outro novo sabor
Duma faísca da espada
Com aquele grande punhal
Provocou enorme incêndio
Em cem tarefas de canavial
Chamando logo a atenção
De Kung Fu e seu rival
Lampião disse assim:
Kung Fu, você está vendo
Esse fogo no vegetal
Que por nós está ardendo
É algo que a natureza
Para nós está dizendo
Kung Fu disse: — Falou!
A guerra não tem sentido
O homem brigar com o homem
Me causa dor no ouvido
As conquistas e os massacres
São atos de tempo ido
Neste momento Kung Fu
E Lampião se abraçaram
Dando fim a um duelo
Que sem morrer terminaram
E eu peço aos meus leitores
Mil desculpas se não gostaram
Juazeiro do Norte, julho de 1975
Ele viveu há três mil anos atrás, por José Severino Cristóvão
O santo filho de Deus
Eu cheguei a conhecer
Eu sou o mais velho
Porque o vi nascer
Trinta e três anos na terra
Com ele aprendi viverEu aprendi a viver
Na remota geração
Passava sobre as águas
Do famoso rio Jordão
Vi o batismo de Cristo
Em seguida o de Jordão
O apóstolo João
Foi dos mais inteligentes
E do santo evangelho
Foi a rama e a semente
Conversando com Deus Pai
O poderoso onipotente
Convivi com este ente
Em uma outra geração
Do poderoso Pai Eterno
Eu recebi permissão
Para baixar como guia
Terminar minha missão
Com ordem da divindade
Eu vivia no mar Morto
Obedecia à natureza
Do direito ao canhoto
Hoje em dia cá estou
Deixei meu lugar pra outro
O mar Morto não é Morto
Se move em seu lugar
Há diferenças dos outros
Em quantidade de sal
No mar Morto nada cresce
Nada se pode criar
Mais coisas vou revelar
Afirmo sem engano
Em 44 antes de Cristo
Confirmo até o ano
Vi nascer Tibério César
Segundo imperador romano
Para todo ser humano
Afirmo sem exagero
Vi o rei da Assíria furando
Os olhos dos prisioneiros
Hoje ele vive no escuro
Longe de Deus verdadeiro
Conheci um sabichão
De outro tempo e outro dia
Que por sinal foi Sócrates
O pai da filosofia
A tudo dava explicação
Mas ler ele não sabia
Convivi com Maomé
O pai do magnetismo
E o povo da cruzada
Acompanhei o fanatismo
Ensinei Allan Kardec
Escrever o espiritismo
Mas sem nenhum fanatismo
Com a ordem de meu Deus
Ensinei astronomia
A Copérnico e Galileu
Derribei a teoria
Do astrônomo Ptolomeu
Afirmo em versos meus
Dizendo com exatidão
Acompanhei o carrancismo
Do imperador Napoleão
Vi Joana D'Arc reencarnar
Na matéria de Lampião
Conheci João Batista
Também São Sebastião
E outros que vou citar
São Cosme e São Damião
E a rainha do mar
A Virgem da Conceição
E na outra geração
Vi Cícero Romão orar
Também vi por várias vezes
Poesia ele declamar
Vi Rômulo fundando Roma
Há quinze milhas do mar
Vi degolar João Batista
Sem terminar sua missão
Vi muitas coisas estranhas
No remoto rio Jordão
Não revelo em poesia
Por não ter a permissãoNo Atlântico, meu irmão
Vi uma garrafa vazia
A mesma toda lacrada
Um bilhete dentro havia
Referia-se à Atlântida
Na certa ela existia
O primeiro livro que existia
Minha pessoa já leu
Andei numa rodovia
Feita de areia e breu
Com a passagem dos tempos
Ela desapareceu
Quando Cristo morreu
Vi o sol escurecendo
E naquela região
Era um eclipse aparecendo
Baseado no presente
A verdade estou dizendo
O que eu vi estou dizendo
Em época muito remota
Por ser bem importante
Coloquei na minha nota
Vi Cristo escrevendo certo
Sobre muitas linhas tortas
Eu vi em era remota
César sendo assassinado
Em 44 antes de Cristo
No seu 14 reinado
Deixava a vida terrena
E passava para o outro lado
Tibério no seu reinado
Acompanhei os seus tratos
E na santa Galiléia
Seu povo maltratado
No governo de Valério
Tempo de Pôncio Pilatos
Pôncio Pilatos foi
De Cristo um defensor
Para o filho de Deus
Sei que ele nunca falhou
Porém todas as coisas
O vate presenciou
Vi os dois apóstolos de Deus
Por Nero ser condenados
Realmente Nero teve
Um instinto desgraçado
Porque o vi matando
Seu irmão envenenado
De Nero no seu reinado
Acompanhei sua maldade
Eu o vi suicidar-se
Fugindo à culpalidade
No dia em que completava
33 anos de idade
Do apóstolo João Batista
Ouvi sua pregação
Vi o batismo de Cristo
No famoso rio Jordão
Hoje comando a poesia
Na matéria do irmão
Cumprindo minha missão
De uma longa geração
De Vesúvio na Itália
Vi a primeira erupção
E também de Júlio César
A sua grande ilusão
Eu vi o rei Salomão
Estudando sem medida
Tentando nunca morrer
E ficar pra outra vida
Mas quando Deus não permite
Toda ciência é perdida
Me refiro a outras vidas
De outra remota geração
Visitei João Batista
Quando estive na prisão
Vi uma irmã de Cristo
Dele receber perdãosapien. Maecenas congue vehicula mi, id luctus mi scelerisque nec. Cras viverra libero ut velit ullamcorper volutpat. Maecenas ut dolor eget ante interdum auctor quis sed nunc. Proin faucibus, mauris vitae molestie sodales, erat nisi rhoncus justo, in placerat turpis elit sed eros.
Mauris molestie, justo et feugiat rutrum, arcu metus dapibus quam, sollicitudin tempus tortor dolor et nibh.
Dois glosadores: Azulão e Borborema
Borborema há seis meses
Que percorria o sertão
Somente para glosar
Com Benedito Azulão
Para ouvir o seu talento
Encontrou ele em São Bento
Numa noite de São JoãoAzulão estava dançando
No convívio de alegria
Quando terminava a parte
Ele glosava e bebia
Recitava o seu poema
Falava no Borborema
Mas ele não conhecia
Borborema aproximou-se
Daquele grande festim
Falou com o dono da casa
O fazendeiro disse assim
Ele entrou para o salão
Cumprimentou Azulão,
Por esta maneira assim:
B: Boa noite, amigo Azulão
Arás de quem eu andava
Há tempo que procurava
Pelas zonas do sertão
Chegou hoje a ocasião
Que desfruto o meu destino
Sou o Borborema ferino
Que gloso por linha reta
Eu faço medo a poeta
Como boi faz a menino
A: Se você ver Borborema
Lá na serra do Teixeira
Erguer sua cordilheira
Fazendo versos no tema
Você perde todo emblema
O meu gênio é soberano
Eu lhe tiro todo engano
Você perde muito feio
Não atravessa um rio cheio
Quanto mais um oceano
Nisto o dono da casa
Levantou-se e fez um riso
Disse para os poetas
Dois temas eu simpatizo
Na dança tem coisa boa
Dança só tem prejuízo
A: A dança é sociedade
É fruto que o amor tem
Porque a dança já vem
Da remota antiguidade
Não dança quem é covarde
Não honra sua pessoa
Eu danço que a poeira voa
Na volta que faz a dama
Quem dança namora e ama
Na dança tem coisa boa
B: Nos tempos que eu dançava
No durava o meu sapato
Fosse na praça ou no mato
Pouco dinheiro não dava
A minha roupa eu sujava
Saia de bolso liso
Perturbava o meu juízo
Perdia as noites de sono
O alheio chora o seu dono
Dança só traz prejuízo?
A: Na dança se goza a vida
Na dança não há tristeza
Na dança não há pobreza
Na dança a moça é querida
Na dança a velha é esquecida
Na dança se diz é loa
Na dança a dama é patroa
Na dança tudo é casado
Na dança tudo é gozado
Na dança tem coisa boa
B: Dança não tem confiança
Dança é que tem corrução
Dança é princípio do cão
A dança não tem bonança
Dança não tem finança
Dança quem for indeciso
Dança eu não simpatizo
Dança é da meretriz
Dança é gozo infeliz
Dança só traz prejuízo
A: Na dança não pega nada
Na dança é que bem se ama
Na dança é que se vê-se a dama
Na dança da umbigada
Na dança a moça é beijada
Na dança ninguém enjoa
Na dança o rapaz pregoa
Na dança o namoro fixa
Na dança a moça cochicha
Na dança tem coisa boa
B: Dança quem é manata
Dança é quem quebra honra
Dança é quem tem desonra
Dança também maltrata
Dança adoece e mata
Dança perturba o juízo
Dança relaxa o riso
Dança tira a vergonha
Dança acaba a cerimônia
Dança só traz prejuízo
A: Dança é fruto de amor
Aonde nasce a esperança
Na hora que o homem dança
Morrendo não sente a dor
O rapaz namorador
Quando ele se afeiçoa
Na hora que o harmonio zoa
Já ele está peneirando
Grita quem estiver olhando
Na dança tem coisa boaB: A dança é condenada
A dança pode ser nobre
Seja rica ou seja pobre
Termina sendo falada
Nada sendo educada
Que dança seria sem riso
O malandro sem ser preciso
Difama qualquer donzela
Outro não casa com ela
Dança só traz prejuízo
A: Há moças que nunca casa
Detida no caritó
Não bota rouge nem pó
Cada vez mais se atrasa
Não dança porque se arrasa
Vai dando crença à lamproa
Não casa termina à toa
Quem dança consagra amor
Casa seja com quem for
Na dança tem coisa boa
B: A dança sempre termina
Com barulho ou questão
Já tenho visto prisão
Morte ou carnificina
A dança é sempre ruína
Por isso eu antipatizo
O homem que tem juízo
Não abraça a filha alheia
Oh! meu Deus que coisa feia
Dança só traz prejuízo!
A: Colega a dança é um fado
Que alegra um vagabundo
Quem não dança neste mundo
No outro mundo é dançado
A dança não é pecado
Na capital de Lisboa
O rei encosta a coroa
Dança namora e prosa
A dança é um céu de rosa
Na dança tem coisa boa
B: Sendo a moça Nazaré
Habituou-se dançando
O malandro saiu contando
O corpo dela o que é
Não tenho crença nem fé
Nem me responsabilizo
A moça que tem juízo
Não dança nem por dinheiro
Do Brasil ao estrangeiro
Dança só traz prejuízo
A: Os peixes brincam no mar
Fazendo mil piruetas
Nas relvas as borboletas,
Visitam outro lugar
Os pássaros noutro pomar
Seus trinos também entoam
O pescador na canoa
Canta e dança satisfeito
Cada um brinca perfeito
Na dança tem coisa boa
B: Quantas senhoras de bem
Foi vista na perdição
Por causa da corrução
Que a maldita dança tem
A dança não me convém
Eu protesto e antipatizo
Onde tem dança eu não piso
Oh! que brincadeira ruim
Um padre já disse a mim
Dança só dar prejuízo
A: No sertão tem tabuleiro
No serrote tem mocó
Lá no mato tem cipó
Na fazenda tem vaqueiro
No tesouro tem dinheiro
Lá na maré tem canoa,
No baixio tem lagoa
No fogo tem o calor
No coração tem o amor
Na dança tem coisa boa
B: O apóstolo João Batista
Foi morto na guilhotina
Por causa duma menina
Que dançava otimista,
Na denúncia pessimista
João Batista teve aviso,
Foi morto sem ser preciso
Por causa de Herodias,
Pois desde os remotos dias
Dança só traz prejuízo
O Azulão quando viu
Este verso da escritura
Mergulhou no meio do povo
Correu, perdeu a bravura
Fez como José Pretinho
Que quase perde o caminho
Nas trevas da noite escura
Juazeiro, 02 de maio de 1956
Discussão de João Formiga com Francisco Parafuso
Estava João Formiga
Versejando alegremente
Nas terras do Ceará
Quando chegou de repente
Um cantor do Mato Grosso
Quase tonto de aguardenteChegou na sala e saudou
A todo o povo primeiro
E disse a João Formiga:
— Vá sabendo cavalheiro
Sou Francisco Parafuso
Dou certo em todo tempero
O dono da casa disse:
— Pois então, meu camarada
Você canta com Formiga
Uma discussão pesada
Se ganhar leva o dinheiro
Se perder não leva nada
— Porém eu vou dar um tema
Com estilos naturais
Para Formiga dizer
Com bases fundamentais
Sem errar nem dar um tombo
Nem bebo, nem fumo mais
E parafuso responde
Para se ouvir e ver
Defendendo a aguardente
Durante enquanto viver
E dizer no fim do verso
Bebo e fumo até morrer
F: Meu amigo Parafuso
Agora vou lhe dizer
Deus me livre de beber
Fumar eu também não uso
Do fumo eu tomei abuso
Porque nada bom não traz
Pois quando eu era rapaz
Quase o fumo me liquida
Enquanto Deus der-me vida
Nem bebo, nem fumo mais
P: Você é um inocente
Fumar é uma beleza
O fumo tira a tristeza
Fica a pessoa contente
O suco da aguardente
Ao homem dá bom prazer
Portanto posso dizer
Com pensamento profundo
Enquanto eu viver no mundo
Bebo e fumo até morrer
F: Fumar, beber, não convém
Quem é bom não se acostuma
Pois a pessoa que fuma
Queima o dinheiro que tem
O homem que pensa bem
Essas misérias não faz
Pois eu nos tempos atrás
Fui um homem ignorante
Porém d'agora por diante
Nem bebo, nem fumo mais
P: Pois eu fumo todo dia
E bebo aguardente boa
Minha goela não enjoa
Quando tomo "dela fria"
Depois faço a poesia
Torno de novo beber
Faço desaparecer
A tristeza da matéria
Nesta vida de miséria
Bebo e fumo até morrer
F: Mas você se desmantela
Pensando nesta tolice
O fumo traz a tontice
E um entalo na goela
Deixa uma nódoa amarela
Nas partes intestinais
Eis aí meu bom rapaz
Do fumo os produtos seus
Eu como acredito em Deus
Não bebo, nem fumo mais
P: Porém Deus mesmo é quem cria
O fumo e a aguardente
Na terra nasce a semente
Que todo povo aprecia
Quem não bebe hoje em dia
Na vida não tem prazer
Eu para desaparecer
As mágoas do coração
Vou me encostar no balcão
Bebo e fumo até morrer
F: Eu de fumar não preciso
Fumo ataca o coração
A cana acaba o pulmão
O fumo tira o juízo
O homem fica indeciso
Nem pra diante nem pra trás
Não sabe nem o que faz
Quem só vive embriagado
Eu como sou preparado
Nem bebo, nem fumo mais
P: Pois colega eu não relaxo
De beber num copo fino
Hoje só não bebe o sino
Por ter a boca pra baixo
E por isso quando eu acho
Na rua com quem beber
Mando o caixeiro descer
Aguardente brasileira
Faço farra a noite inteira
Bebo e fumo até morrer
F: Você assim vai errado
No caminho da perdição
Não obedece a lição
Do mandamento sagrado
No caminho do pecado
Dando gosto a satanás
Perde as forças divinais
E toda vitalidade
Eu que conheço a verdade
Nem bebo, nem fumo maisP: Hoje já é conhecido
Bebe o sábio e o vagabundo
Quem não bebe neste mundo
No outro será bebido
Eu como sou prevenido
Antes da morte descer
Todo dia hei de beber
Fazer minha carraspana
Enquanto existir cana
Bebo e fumo até morrer
F: Jesus explicou aos seus
Naquele tempo passado
Que o homem viciado
Não vê o reino de Deus
Depois disso São Mateus
Deu outras provas legais
O fumo a cana o que faz
Relembrando a Jesus Cristo
E eu conhecendo disto
Nem bebo, nem fumo mais
P: Diz o novo testamento
Que Jesus meu amiguinho
Mudou a água no vinho
Na festa dum casamento
Todos do divertimento
Tiveram então que beber
Do vinho com bel-prazer
Que foi milagre de Cristo
Bebo e fumo até morrer
F: Falaste perfeitamente
Pelo caminho da luz
Mas o vinho de Jesus
Do de hoje e diferente
Porque é álcool somente
O bem a ninguém não faz
O de Jesus, meu rapaz
Foi seu sangue verdadeiro
Eu conheço este roteiro
Nem bebo, nem fumo mais
P: Você não conhece bem
Do verdadeiro caminho
Porque o suco do vinho
É o mais forte que tem
Relembre a Noé também
Depois do vinho beber
Viu o mundo escurecer
E caiu no chão sem fé
Eu faço igual a Noé
Bebo e fumo até morrer
F: Quem bebe faz ação feia
E vive se consumindo
E passa a noite dormindo
No cimento da cadeia
Leva uma surra de peia
Das mãos dos policiais
Os meninos vão atrás
Com ele fazendo festa
Eu vendo uma coisa desta
Nem bebo, nem fumo mais
P: Porém o homem decente
Bebe e não se embriaga
Acende o cigarro e traga
Fica logo alegremente
Conversa com toda gente
Sem nunca se aborrecer
Fica cheio de prazer
Canta como uma cigarra
Eu como gosto da farra
Bebo e fumo até morrer
F: Porém quem vive bebendo
Satanás nele se monta
A cabeça fica tonta
E a vista escurecendo
O corpo fica tremendo
Devido aos vícios banais
Digo ao homem capaz
Não cala no preconceito
Como sou quase perfeito
Nem bebo, nem fumo mais
P: Eu bebo, eu fumo, eu proso
Eu danço, eu canto, eu versejo
Eu compro, eu canto, eu traquejo
Eu troço, eu farro, e eu gozo
Eu escrevo, eu verso, eu gloso
Comigo tudo é prazer
Ouça a negrada dizer:
— Faça bonzinho, Parafuso
Eu que tudo isto uso
Bebo e fumo até morrer
F: Pois eu nem bebo, nem fumo
Nem danço, nem faço farra
Nem canto como cigarra
Nem caio, nem desaprumo
Nem ajeito, nem aprumo
Nem sou velho, nem rapaz
Nem santo, nem satanás
Nem sou princípio, nem fim
Nem sou bom, nem sou ruim
Nem bebo, nem fumo mais
Aí o dono da casa
Disse: — Está muito boa a porfia
Nem um nem outro perdeu
Vou repartir a quantia
Porém vocês cantem mais
Até amanhecer o dia
Arrebenta Mundo, por João José da Silva
Aproveitei o silêncio
Duma noite enluarada
Para escrever uma história
Há muitos anos passada
Com o Arrebenta Mundo
E uma pedra encantadaO jovem Arrebenta Mundo
Vivia bem sossegado
Mas vendo o irmão sair
De casa com um machado
Julgou-se ser competente
De também ser um errado
Primeiro disse ao pai
Que tinha dado veneta
De fazer uma viagem
E sua maior tineta
Era de levar consigo
Uma possante marreta
O pai lhe disse: — Viaje
Mas vou lhe recomendar
Quero que mate um milhão
Se acontecer de brigar
Mas se chegar apanhado
Torna de novo apanhar!
— Ora meu pai! eu só temo
O senhor e mais ninguém
Eu por outra temo a Deus
Que vive lá no além
O que há aqui na terra
É mortal como eu também
Portanto dê-me a licença
E adeus até um dia
Com a marreta nas cestas
Viajou com alegria
A qual pesava cem quilos
Porém ele não sentia
Com dez dias de viagem
O grande Arrebenta Mundo
Entrou em uma floresta
Dum precipício ladeando
Que se conserva isento
Das maravilhas do mundo
Mesmo assim o forte moço
Não viu de que se torvar
E no deserto infecundo
Fez-se demais a entrar
Quanto mais ia entrando
Mais via abismo chegar
Mais adiante ele ouviu
Uma voz muito cansada
Dizendo: vivo a cem anos
Numa rocha transformada
Sou a herdeira do reino
Da grande pedra assentada
Aparecendo um guerreiro
Que não vá temer careta
E for no reino da pedra
Com uma forte marreta
Quebrando a pedra terá
A mão da princesa Hileta
Mas para quebrar a pedra
Inda não houve ninguém
Que a fada que a domina
Um poder supremo tem
E ela na bruxaria
Faz tudo que lhe convém
E só desencanta o reino
O que quebrar um sinal
O que tem no pico da pedra
Esse é feito de cristal
Uma obra magnífica
E não artificial
Mas para chegar na pedra
Passa um grande precipício
E de um túnel apertado
Mas quem tiver profelício
Poderá atravessá-lo
Com um grande sacrifício
E chegando na tal pedra
Precisa muito cuidado
Pra só quebrar o sinal
Ele estando esverdeado
Não estando, se bater
É pra morrer machucado
Que aparecerá pedra
Vinda de todo lugar
Ele não pode correr
Nem tem por onde passar
Porque o túnel se fecha
Ele tem que desviar
E o furacão saiu
Ao dito feixe levando
Com oito horas depois
No túnel ele foi deixando
O volume do mistério
E passou tudo virando
Arrebenta Mundo estava
Numa peinha de nada
O feixe estava pelado
Ele de roupa rasgada
A comida que levava
Acabou-se na jornada
No túnel misterioso
Ele conseguiu passar
Ao chegar do outro lado
Cuidou logo em procurar
A dita pedra encantada
Para o sinal quebrar
E quando chegou na pedra
Ao tal sinal procurou
Não o achando afobou-se
A marreta levantou
E descarregou na pedra
Duma pancada a quebrou
Foi mesmo que assanhar
Uma casa de maribondos
O mundo deu três bramidos
E a pedra três estrondos
Depois disso transformou-se
Em dois castelos redondos
Em cima de um dos castelos
Uma fada apareceu
E disse ao outro: machuque
A quem a nós ofendeu
Ele viu que o castelo
Donde estava se ergueu
E veio para esmagá-lo
O rapaz a esperou
Com a sua marreta em punho
E no tal descarregou
Ele que era de pedra
Na marreta se acabou
Ali a fada exclamou:
— Venha pedra em meu socorro
Arrebenta Mundo disse-lhe
— Pode vir que eu não corro
Que hoje aqui eu derroto
Castelo, montanha e morro
— Bandido! — gritou a fada:
— Você é um imbecil!
Pois penetrou neste reino
Com procedimento vil
Mas vai ser subjugado
Tipo nojento infértil
E venha a pedra trovão
A este monstro esmagar
Nisto um trovão gigantesco
Retumbou por sobre o ar
Apareceu uma pedra
Tão grande de assombrar
Ela tinha mais ou menos
Duzentos metros de altura
De redondo tinha o mesmo
Era uma horrenda grossura
Arrebenta Mundo disse:
— Desta eu andava a procura
E deu-lhe uma marretada
Com força do pulso seu
O estrondo foi tão grande
Que a bruta chega gemeu
Com a dor da marretada
Ela ali se derreteu
A fada exclamou: — Maldito!
Seu fim será rigoroso
E venha lutar por mim
O gênio misterioso
E traga o castelo nuvem
Meu rochedo poderoso
Ali quase de momento
Nosso artista viu chegar
Um assombroso rochedo
E contra ele embolar
Fazendo tanta zoada
Que estrondava no ar
O jovem Arrebenta Mundo
Ali meteu-lhe a marreta
Quando bateu estrondou
Dela abriu-se uma gaveta
Saltou um vulto de dentro
Tocando numa corneta
Quando a corneta alarmou
O monte deu um bramido
Na amplidão ecoou
Um ritumbar decidido
Que deixou todo o espaço
Com um manto enegrecido
Enquanto isso a dita pedra
Se conservava parada
O jovem Arrebenta Mundo
Deu-lhe outra marretada
Que jogou-a com cem metros
Ficou lá esfaxiada
Antes ela não virou-se
Vinha outra pedra chegando
Ele tocou-lhe a marreta
Ela foi se esbandalhando
Ele viu outra no ar
Dele já se aproximando
Ele disse: agora eu vou
Demonstrar o meu poder
Só deixo de quebrar pedra
Se Deus não me proteger
E estou me afobando
Pode pedra aparecer
E deu-lhe uma marretada
Que a pedra se sumiu
A fada gritou: — Maldito!
Seu Deus se submergiu
Você agora vai ver
Na vida o que nunca viu
Venha a rainha gigante
Esmagar este maldito
Arrebenta Mundo olhou
Viu descer do infinito
Uma pedra gigantesca
Com um rumor esquisitoVinha com a maior zoada
Que o trovão quando reboa
Arrebenta Mundo disse:
— Esta é quadra boa
Preparou logo a marreta
E com bravura esperou-a
Antes da pedra chegar
Já tinha sido atingida
Pois ele fez em pedaços
Que logo ali em seguida
Ele viu tanta da pedra
Que quase perde a partida
Começou a chegar pedra
Vinda de baixo da terra
Pedra que vinha de lado
Pedra que vinha da serra
Pedra ia pedra vinha
Igual a tanques de guerra
Estava ele afirmado
Com a marreta na mão
Dava marretada em pedra
Da cinza cobrir o chão
E a mais forte saia
Que só bala de canhão
E danou-se a chegar pedra
E ele se defendendo
Só via pedra chegando
E logo se derretendo
Na marreta do herói
Que estava se lambendo
Ali ele começou
A demonstrar seu talento
Roçava com a marreta
Que assoviava no vento
Com a fumaça das pedras
O mundo ficou cinzento
Ali contra ele vinha
Pedra se escorregando
E vinha pedra correndo
Vinha pedra rebolando
E vinha pedra zunindo
E vinha pedra voando
Arrebenta Mundo viu-se
Dentro do maior perigo
Mas fez-se em sua marreta
Foi castigo por castigo
Quanto mais quebrava pedra
Mais via pedra consigo
Da poeira que saia
Pôs-se o mundo a azular
Ele já casa cansado
Mais batia sem parar
E quanto mais marretava
Mais tinha pra derrotar
Cada vez mais vinha pedra
E ele a tudo quebrando
Antes não quebrava uma
Já vinha outra encostando
E pra onde ele se virasse
Só via pedra chegando
Ele ali manifestou-se
Danou-se logo a quebrar
Pedra com sua marreta
Mas vendo a hora arribar
Porque quanto mais quebrava
Mais via pedra chegar
Já ele estava por tudo
Desconfiou que morria
E danou-se a quebrar pedra
Já sem reparar batia
Quanto mais pedra quebrava
Mais pedra lhe aparecia
De lá a fada gritou-lhe:
— Conheça moço que morre!
Chame lá pelo seu Deus
Veja se ele o socorre
— Bandida! — gritou-lhe o moço
— Este homem aqui não corre
Seu trono de bruxaria
Vou agora derrubar
Pois inda não vi um forte
Para eu não o dominar
Sua força de magia
Hoje vai se acabar
A fada ali riu-se dele
Porque estava segura
Em um castelo de pedra
Duma assombrosa grossura
Que demonstrava um sinal
Numa desmedida altura
E esse grande castelo
Só seria demolido
Se alguém subisse nele
Sem fazer nenhum ruído
E lá quebrar-se o sinal
Do contrário era perdido
Mas para um fazer isso
Era uma coisa impossível
Que as pedras o machucavam
E se ele fosse invencível
Antes de chegar ali
Tudo ficava invisível
Mas como Arrebenta Mundo
De nada disso sabia
Queria vencer no duro
E quando o braço descia
Que a marreta pegava
Numa pedra, derretia
Ele grita para a fada:
— Vou derrubar seu castelo!
Ela tornou galhofar
E gritou: — Venha amarelo!
Que vou mandar derretê-lo
Cara de pinto anelo
Arrebenta Mundo ali
Partiu corajosamente
Pra derrubar o castelo
Da fada mas de repente
Viu tanta pedra chegando
Que interrompia a frente
Ele pôs-se a quebrar pedra
A fim de poder passar
Mas quando quebrava uma
Via ela ali inchar
E quando quebrava outra
Via mais outra chegar
O rapaz ali não pôde
Adiantar mais um passo
Mais ele irado gritou:
— Fada velha eu lhe desgraço
Você vai ver quanto pesa
Minha marreta de aço
Portanto eu já estou perdido
Da vida não quero nada
Indignado jogou
A sua marreta amada
De ponto para o castelo
Que estava a dita fada
A marreta saiu doida
Num rumor descomunal
Quando bateu no castelo
Arrebentou o sinal
O mundo deu um estrondo
Como um dia de final
Arrebenta Mundo ouviu
Uma voz dizer: — Maldito!
Quebraste todo poder
Do meu trabalho bendito
E desencantaste o reino
Mas não como estava escrito
Portanto sejas feliz
Com a princesinha Hileta
E fique chamando ao reino
O Reinado da Marreta
Eu a fada irei viver
Nas Trevas da Águia Preta
Quando Arrebenta Mundo
Olhou viu tudo mudado
Estava num reino e vendo
Em um castelo gravado
O Reinado da Marreta
Um país civilizado
Em frente daquele reino
Havia um grande listano
No tronco tinha um espelho
Nele escrito: É soberano
Daqui, Arrebenta Mundo
Castigador de tirano
Ele pegou no espelho
E com carícia o beijou
Esse espelho de mistério
Logo ali se transformou
Na herdeira da nação
E aos seus pés se prostrou
E pediu pra ele ser
Chefe daquela nação
E por sua gentileza
Aceitasse a sua mão
— Não peça mais! — disse ele
— Que amo-a de coração
Quando ele disse isso
De momento foi levado
Junto com a linda jovem
Para o trono do reinado
E dessa hora em diante
Ele ficou apossado
A princesa era uma órfã
Tinha ali todo direito
E o povo do reinado
Combinou bem satisfeito
Sobre o casamento que
No outro dia foi feito
Quem não acreditar nisso
Cuide em danar-se no mundo
E vá no reino saber
Que ficará oriundo
E poderá encontrar-se
Com esse Arrebenta Mundo
Já demonstrei deste drama
O sucesso principal
Seguirei com perfeição
Isso até o terminal
Levarei contando glória
Vejam que é de vitória
Até o ponto final.
Apolinário e Helena entre os laços do amor
Santa musa protetora
Que inspira ao trovador
Me ajudei a versejar
Um romance de valor
Apolinário e Helena
Entre os laços do amorApolinário era filho
Da Paraíba do Norte
De Patos de Espinhara
Um sertão sadio e forte
Porém a fatalidade
Queria cortar-lhe a sorte
O pai de Apolinário
Era simples lavrador
Vivia sempre exercendo
A vida de agricultor
E Apolinário ajudava
Ao seu progenitor
Apolinário vivia
Em união exemplar
Junto com os seus irmãos
E seu pai a trabalhar
E à noite estudava
Em aula particular
Nos anos bons de invernos
Lucravam boa fartura
De milho, fava, algodão
Conforme sua cultura
Nas vazantes do açude
Colhiam muita verdura
Mas inesperadamente
Surgiu um ano precário
Com escassez do inverno
Que o pai de Apolinário
Perdera todos plantios
Devido o tempo contrário
Além do tempo contrário
Quando a lavoura nasceu
Uma peste de lagarta
De repente apareceu
Que no sertão em geral
Toda a lavoura comeu
Apolinário ficou
Lamentando a desventura
Porque a peste lhe trouxe
Aquela cruel tortura
Desde aí que começou
Do sertão a crise dura
Pois neste tempo ele tinha
Arranjando uma querida
Porém vivia pensando
No desmantela da vida
Como podia casar
Com a sua preferida
Era essa preferida
Uma distinta pequena
Muito simpática e formosa
Igualmente a Madalena
Com quinze anos de idade
E se chamava Helena
Helena gostava muito
Do jovem Apolinário
Porém seu pai era rico
Orgulhoso e usurário
Só queria dar a filha
A rapaz milionário
Apolinário também
Amava muito a menina
Mas era um amor oculto
Somente os dois em surdina
Sem o pai dela saber
Daquela amizade fina
Então vivia o rapaz
Lutando pra resolver
Este problema na vida
Como haveria de ser
Para casar com Helena
O que devia fazer
Seu pai também fracassado
Sem gado e sem plantação
Pois quando há uma crise
Naquele velho sertão
Quem está desprevenido
Sai a procurar remição
Apolinário sabendo
Que no Rio de Janeiro
Estava bom de verdade
Para se ganhar dinheiro
Viu-se obrigado a sair
Como pobre aventureiro
Pra fazer essa viagem
Combinou com os seus pais
Para comprar a passagem
Vendeu alguns animais
E tirou seus documentos
Embora triste demais
Porém antes de sair
Disse: "É dever sagrado
Eu ir ao pai de Helena
Fazer-lhe logo avisado
Que gostou da filha dele
Pra não deixá-lo enganado"
Assim pensou, assim fez
Na tarde do mesmo dia
Apolinário trajou-se
E seguiu pra moradia
Do velho pai de Helena
Pra expor o que pretendia
Chegando bateu na porta
O velho saindo fora
Perguntou-lhe "o que deseja?"
E ele sem ter demora
Lhe disse "é uma surpresa
Que venho trazer-lhe agora"
Apolinário lhe disse:
"Não quero lhe ser grosseiro
Eu gosto de sua filha
Vim lhe avisar primeiro
Que pretendo viajar
A fim de ganhar dinheiro"
"Vou pro Rio de Janeiro
Trabalhar com o intento
De me casar com Helena
Que não haja impedimento
E vim saber do senhor
Se aceita o casamento"
O velho lhe disse: "O quê?
Você é muito atrevido
Quer casar com minha filha?
Sujeitinho intrometido
Reconheça seu lugar
Deixe de ser enxerido"
Nesta hora Apolinário
Foi se erguendo do canto
Disse: "Velho, me respeita
Com grito não me espanto
Sou homem quanto o senhor
Não venha provocar tanto"
Tornou a dizer-lhe: "Apenas
Eu vim lhe participar
Porque no dia que eu
Sua filha raptar
Não me chame de covarde
Pois eu vim lhe avisar"
O velho irritou-se e disse:
"Já por ali, seu canalha
Se carregar minha filha
Comigo se atrapalha
Pois minha filha não é
Pra um da sua igualha"
Apolinário lhe disse:
"Isto é coisa da vida
Pois o amor quando é forte
Riqueza não intimida
Sendo por sorte ou destino
Toda arruaça é perdida"
Nisto o velho levantou-se
Babando e partindo a fala
Gritou bem alto: "Levante-se
Desocupe a minha sala
Não olhe nem para trás
Senão lhe meto uma bala"
Levantou-se Apolinário
Muito calmo e paciente
Viu-se obrigado a sair
Porque o velho valente
Armado com um revólver
Irado rangia o dente
depois que chegou em casa
Apolinário escreveu
Uma cartinha amorosa
Para Helena remeteu
Dizendo: "Confio em deus
Que serei esposo teu"
"Portanto dá-me um adeus
Que amanhã partirei
Para o Rio de Janeiro
E um dia voltarei
Com fé em nosso Bom Deus
Contigo me casarei"
"As minhas cartas procura
Aqui na mão de meu pai
No mais aceita um adeus
Que o teu querido vai
Viajar e tua imagem
Da minha mente não sai"
Quando Helena recebeu
A carta do seu amor
Logo remeteu-lhe outra
Pelo mesmo portador
Dizendo "a tua ausência
Vai me acabar de dor"
"Longe de ti, meu amor
Eu fico muito abatida
Maldita hora meu Deus
Antes não fosse eu nascida
Não quero nem assistir
A hora da despedida"
"Eu vou ficar implorando
À Santa Virgem Maria
Para que sejas feliz
Na paz da santa harmonia
Que fico na esperança
De te abraçar um dia"
Na manhã do outro dia
Apolinário aprontou-se
Depois que estava pronto
A viajar destinou-se
Pediu a bênção dos pais
E num cavalo montou-se
Saiu olhando pra casa
De sua Helena querida
Avistou-a na janela
Muito chorosa e sentida
Ele acenou com a mão
Dando a sua despedida
Helena também de lá
Dava com a sua mão
Mas não pôde resistir
Àquela triste emoção
Ali sofreu um desmaio
Caiu prostrada no chão
Sua mãe saindo fora
Vendo a filha desmaiada
Tratou logo em socorrê-la
Aflita e angustiada
Deram remédio e massagem
Na donzela apaixonada
Depois que ela tornou
O velho como uma hiena
Em vez de penalizar-se
Daquela penosa cena
Agarrou uma chibata
Para bater em Helena
Porém a velha agarrou-o
Com uma força tremenda
O velho disse "maldita
Alcoviteira estupenda
Agora vou te matar
Imprensada na moenda"
O velho em uma prensa
De imprensar algodão
Queria imprensar a velha
Porém nessa ocasião
Um filho com um porrete
Botou o velho no chão
Deixemos a confusão
Para tratar da viagem
Do jovem Apolinário
Deixando a bela paisagem
Vamos saber se no Rio
Ele encontrou vantagem
Apolinário chegando
Em Patos de Espinhara
Mandou pra trás o cavalo
E tomou um pau-de-arara
Em poucos dias chegou
Na cidade Guanabara
Em uma pobre pensão
Apolinário hospedou-se
Ainda sofreu uns dias
Enquanto não empregou-se
Ficou uns dias parados
Porém depois colocou-se
Apolinário empregou-se
Numa firma construtora
Ele era acostumado
A trabalhar na lavoura
Achou muito diferente
Aquela vida impostora
O encarregado era
Um preto mal-educado
Só botava Apolinário
No serviço mais pesado
Que os empregados velhos
Já tinham renunciado
Apolinário coitado
sem ter daquilo instrução
Deu um duro condenado
Largando o couro da mão
E o suor do seu corpo
Fazia poça no chão
Numa certa ocasião
Aquele preto ordinário
Quis ofender a moral
Daquele pobre operário
Houve briga e foram expulsos
O negro e Apolinário
Apolinário ficou
Parado mais de um mês
Mas na pensão onde estava
Morava um português
Que era comerciante
E amigo dele se fez
Esse dito português
Possuía no mercado
Uma barraca de gêneros
Com sortimento avultado
Tomou logo Apolinário
Para ser seu empregado
Apolinário acanhado
Mas logo se acostumou
Junto com o português
A prática logo pegou
A trabalhar no comércio
Logo se habilitou
De formas que o português
Ficou muito satisfeito
E tratava Apolinário
Com o mais fino conceito
Porque viu que ele era
Um empregado direito
Então quando Apolinário
Já estava habilitado
O português para ele
Marcou-lhe bom ordenado
E lhe confiava tudo
Sem ter o mínimo cuidado
Aqui deixo Apolinário
Junto ao seu protetor
Vamos esperar um pouco
Enquanto o trovador
Vai ao Norte saber
Do seu verdadeiro amor
A pobre Helena vivia
Num sentimento precário
Quanto mais tempo passava
Mais aumentava o calvário
Chorava todos os dias
Pensando em Apolinário
Então todo fim de mês
Apolinário escrevia
E mandava para Helena
Objetos de valia
E mandava lhe dizer
Que jamais a esqueceria
Mas quando a pessoa espera
Alcançar felicidade
Não é difícil surgir
A negra fatalidade
Para jogar a pessoa
No lamaçal da maldade
Aquela dita pensão
Em que Apolinário morava
A dona era viúva
Porém a dita contava
Quarenta anos de idade
Mas ainda namorava
Pois ela sempre vivia
Pensando em Apolinário
Porém sabia que ele
Era pobre operário
Não lhe dava a entender
O seu amor salafrário
E sempre todos os dias
Que Apolinário saía
Ela entrava em seu quarto
Forrava a cama e varria
E sempre encontrava cartas
Que sua Helena escrevia
De formas que ela sabia
Daquela grande amizade
De Apolinário e Helena
Então chegou-lhe a maldade
De praticar contra ele
Uma grande falsidade
Aqui eu deixo este assunto
Para falar novamente
Do jovem Apolinário
Que vivia sorridente
Trabalhando de caixeiro
Por ser muito competente
Uma grande freguesia
Ele já tinha arranjado
De formas que seu patrão
Ficou muito interessado
Logo tomou-o como sócio
Pois achou-o capacitado
Aqui eu volto a falar
Na tal viúva outra vez
Quando viu Apolinário
Sócio do português
Por ser muito interesseira
Amante dele se fez
Ela disse: "Apolinário
Você precisa casar
Para ter uma proteção
Uma esposa e um lar
Porque o homem solteiro
Não tem pra quem trabalhar"
"Eu já estou para casar"
Respondeu Apolinário
"Com uma moça do Norte
Filha dum milionário
Para isto já estou
Arrumando o necessário"
"Estamos no mês de março
Quando for no fim do ano
Eu tenho que ir no Norte
Se não falhar o meu plano
Carrego Helena e me caso
Confio em Deus soberano
Ela disse: "Eu não tenho dúvida
Que você não vai dar sorte
Perca logo a esperança
Dessa garota do Norte
Ela lá arranja outro
E vai te mandar um corte"
Nesta hora Apolinário
Compreendeu certamente
Que aquela tal viúva
Já tinha na sua mente
A intenção de tomá-lo
Para o seu pretendente
Então naquela ilusão
A velha sempre esperava
Que ele a conquistasse
Pois ela sempre lhe dava
Confiança mais o moço
Pra ela pouco ligava
Um certo dia a viúva
Lhe perguntou com desdém:
"Apolinário, parece
Que você não me quer bem?"
Ele disse: "Eu só gosto
De Helena e mais ninguém"
A viúva vendo que
Ele não queria nada
Uma certa noite ela
Ficou desassossegada
Entrou no quarto do moço
Sem ele saber de nada
Apolinário dormia
Tranqüilo não pressentiu
Ela usando uma chave
A porta do quarto abriu
De leve acendeu a luz
E o moço nada viu
Ao lado de Apolinário
A velha foi se sentando
Ele naquele momento
Do sono foi despertando
E foi sentindo o perfume
Da viúva o beijando
Nessa hora Apolinário
Sentiu um forte arrepio
A velha disse "meu filho
Em ti eu tudo confio
Por caridade me abrace
Que o tempo está muito frio"
Apolinário nervoso
Disse: "Dona Guilhermina
A senhora está maluca
Quer fazer minha ruína?"
Ela disse: "Meu benzinho
O teu amor me domina"
Aqui agora não sei
Descrever o que se deu
No outro dia a viúva
Para Helena escreveu
Dizendo: "Apolinário
De você já esqueceu"
"Ele agora está casado
Pois dele sou a consorte
Provo com esses retratos
Tenha calma e seja forte
Que por você nunca mais
Ele voltará ao Norte"
"Portanto fique avisada
E pode desvanecer
Do amor de Apolinário
Desde já pode esquecer
Que ele já me pertence
Pois o amo até morrer"
Ela havia tirado
Junto com Apolinário
Bonita fotografia
Dia dum aniversário
Esses serviram de escudos
Para seu plano falsário
Mauris molestie, justo et feugiat rutrum, arcu metus dapibus quam, sollicitudin tempus tortor dolor et nibh.
Justamente foram esses
Que a viúva mandou
Na carta para Helena
Quando esta lá chegou
Helena ao recebê-la
Lendo a carta desmaiouQue Apolinário casou-se
Logo correu o boato
Enquanto Helena dizia:
"Oh! rapaz falso e ingrato
Covarde fez um papel
Dum tipo péssimo e barato"
Agora deixo no Norte
Todo o povo comentando
Vamos ver Apolinário
No Rio sempre pensando
Em sua querida Helena
Notícia dela esperando
Era sempre de costume
Todo princípio de mês
Helena lhe remetia
Uma carta sem talvez
E ele mandava outra
Com a maior rapidez
Foram se passando os dias
Aquele mês se venceu
O outro já se findando
Ninguém notícia lhe deu
De seu pai nem de Helena
Notícia não recebeu
Pensava ele consigo
Que terá acontecido?
Helena estará doente?
Ou meu pai terá morrido?
Que problema será este
Que me fizeram esquecido
Assim todo fim de mês
Apolinário escrevia
Pra seu pai e pra Helena
Já quase sem alegria
Porém notícia nenhuma
Deles nunca recebia
Apolinário vivia
Acabrunhado da vida
Tristonho, sem distração
Com sua alma abatida
Porque não tinha notícia
De sua Helena querida
A viúva vendo ele
Tristonho e desconsolado
Fazia-lhe todo afago
Permanecia ao seu lado
Porém ele muito aflito
Com ela não tinha agrado
Aqui eu deixo o rapaz
Sofrendo melancolia
Vamos saber a viúva
O que era que fazia
E por que Apolinário
As cartas não recebia
Toda carta que o pai
De Apolinário mandava
A velha lia e depois
A dita carta rasgava
E os pedaços da mesma
Dentro do fogo jogava
Pois ela fazia assim
Para o pobre Apolinário
Não ter notícia de Helena
Em quem pensava diário
Assim o pobre inocente
Sofria grande calvário
Até seu sócio dizia
Para ele "não convém
Você viver tão tristonho
Não está vivendo bem?
Por que é que vive triste
O que é que você tem?"
Ele respondia: "Eu sinto
As saudades paternais
Nunca mais tive notícias
De meus estimados pais
E da minha queridinha
Que não esqueço jamais"
"Portanto meu velho sócio
Já não suporto a saudade
Precisamos dar balanço
Em nossa sociedade
Pois quero me desligar
Da nossa propriedade"
"Pois pretendo viajar
Para ver o que aconteceu
Por qual motivo o meu pai
Nunca mais me escreveu
Preciso saber se ele
Está doente ou morreu"
O sócio disse: "Está certo"
Deram balanço geral
Acharam vinte milhões
Só em moeda legal
Fora a mercadoria
Que fez o mesmo total
O português disse: "Eu fico
Com toda a mercadoria
Receba os vinte milhões
Que é de mais garantia
No mais aceite um abraço
E adeus até um dia"
Ele no dia seguinte
Apanhou um avião
Eram vinte e três de junho
Uma véspera de São João
No mesmo dia chegou
No seu amado torrão
Quando em Patos chegou
Foi procurar pela praça
Um carro de aluguel
Que era quase de graça
E disse: "Vamos correr
Enquanto a noite não passa"
O chofer lhe perguntou:
"O senhor para onde vai?"
Ele disse: "Para o sítio
Que aqui não me distrai
Quero festejar São João
Na fazenda de meu pai"
O chofer lhe disse: "Eu vou
Por cinco contos de réis"
Apolinário lhe disse:
"Ainda que fosse fez
Acelere seu motor
E pode atolar os pés"
Apolinário saltou
Bem perto da moradia
De seus extremosos pais
Traspassado de alegria
Ansioso por revê-los
Que há tanto tempo não via
Reinava grande alegria
Por ser noite de São João
Todas as fogueiras acesas
Iluminando o sertão
E os balões no espaço
Faziam circulação
Só se via o foguetão
Soltando lágrimas de prata
E os de lágrimas de ouro
Iluminando a cascata
E suas flechas queimadas
Caindo dentro da mata
Foi uma grande alegria
Naquela noite festiva
Quando viram Apolinário
Chegar com voz expansiva
Gritando: "Viva São João"
Todos responderam: "Viva!"
O povo todo brincava
Ao redor da fogueira
Assando milho na brasa
Nesta hora prazenteira
Apolinário surgiu
No meio da brincadeira
Tão grande foi o espanto
E maior foi a surpresa
Quando viram Apolinário
Chegar ali com presteza
E abraçar ali todos
Com máxima delicadeza
Depois disto Apolinário
Perguntou: "Quedê meu pai?"
O velho escutando a voz
De dentro da casa sai
Foi logo abraçando o filho
De alegre quase cai
Perguntou Apolinário
"Quedê minha mamãezinha?"
Um garoto seu irmão
Lhe disse: "Está na casinha"
Apolinário correu
Para abraçar a velhinha
Nisto passaram a noite
No maior contentamento
Ali ninguém dormiu mais
Foi grande o divertimento
O prazer foi sem igual
Pra todos do aposento
Ele perguntou: "Meu pai
O que foi que aconteceu?
Que o senhor nunca mais
Uma carta me escreveu
Como é que vai Helena
Está doente ou morreu?"
O velho disse: "Está viva
Porém muito indignada
Desde que você casou-se
Que ela pobre coitada
Só leva a vida a chorar
Não tem distração de nada"
"Depois que eu me casei?"
Apolinário indagou
"De onde vem esta história
Que o senhor me falou
Não estou compreendendo
Me conte o que se passou"
O velho disse: "Não sei
Seja verdade ou boatos
Helena aqui recebeu
Uma carta e uns retratos
Mandados por tua esposa
Guilhermina Souza Matos"
Nessa hora Apolinário
Compreendeu a cilada
Exclamou: "Oh! infeliz
Velha falsa condenada
Que coração traidor
Natureza desgraçada"
"Fez para mim e Helena
A mais cruel falsidade
Uma tragédia maldita
Para ver nossa amizade
Sem resultado cair
Na pantanal da maldade"
Perguntou ele "meu pai
O senhor me escrevia?"
O velho respondeu: "Claro!
Todo mês eu remetia"
Ele disse: "Então as cartas
A miserável escondia"
Aqui encerro este assunto
Daquela trama malvada
Deixemos Apolinário
Já ciente da cilada
Vamos saber como Helena
Soube da sua chegada
No outro dia bem cedo
Espalhou-se o comentário
O povo todo dizia
"Esta noite Apolinário
Chegou do Rio de Janeiro
Um grande milionário"
Helena estava dormindo
Acordou quando vaqueiro
Entrou dizendo: "Esta noite
Chegou do Rio de Janeiro
Apolinário de Souza
Trouxe bastante dinheiro"
Helena ouvindo isto
Sentiu um grande calor
Nessa hora foi entrando
No seu quarto um beija-flor
Beijou-lhe dando talvez
Notícia do seu amor
Helena se levantou
Seu cabelo em desalinho
Ao chegar no quintal
Foi entrando um garotinho
Sem que ninguém pressentisse
Entregou-lhe um bilhetinho
"Quem mandou este bilhete?"
Helena lhe perguntou
Ele disse: "Apolinário
Que esta noite chegou
Deseja falar contigo"
Só disse isto e voltou
Dizia assim o bilhete:
"Helena, minha querida
Se conforme e nunca pense
Que por mim foste traída
Foi uma trama sinistra
Duma mulher pervertida"
"Foi a minha senhoria
Que é dona da pensão
Aonde estou residindo
Que fez a contradição
Hoje foi que vim saber
Desta horrenda traição"
"Ouça a voz da consciência
Não me julgue traidor
Pode vir falar comigo
Porque se possível for
Suicidar-me-ei
Em prova do nosso amor"
"Portanto querida venha
Com a máxima brevidade
No mesmo ponto de outrora
Que te declaro a verdade
Pois eu quero te provar
Que tudo foi falsidade"
Ela findando de ler
No mesmo instante sentiu
Renovar sua esperança
E ao mesmo tempo ouviu
Uma voz dizer-lhe: "Vai
Que teu amor ressurgiu"
Logo tomou atitude
E seguiu com brevidade
Pra aquele mesmo local
Em que jurou amizade
A seu amante querido
Com pura felicidade
Apolinário esperava
Debaixo duma aroeira
Onde eles namoravam
Todo dia a tarde inteira
Aonde fez a Helena
Uma jura verdadeira
Quando Helena chegou
Pertinho de Apolinário
Disse ele: "Vem querida
Amenizar meu calvário
Embora tu me julgues
Um tipo muito ordinário"
Nesse momento Helena
Disse para ele assim:
"Você bancou a espécie
Dum tipo muito ruim
Porque depois de casado
Foi que lembrou-se de mim"
Apolinário lhe disse:
"Helena eu fui iludido
Por Deus queira acreditar-me
Porque também fui traído
Por causa daquela infâmia
É que me julgas fingido"
"A carta que recebeste
Com uma fotografia
Foi duma mulher infame
Que nos fez a covardia
Conforme fui informado
Pois ainda não sabia"
"Fez isto só por despeito
Por eu não dar-lhe atenção
Como eu não quis amá-la
Fez esta contradição
Fazendo tu esquecer-me
Por meio duma traição"
"Pois nem sequer uma carta
De ti não recebi mais
Desde março para cá
Não pude viver em paz
Só porque não recebia
Nem notícias de meus pais"
"Durante todo esse tempo
Sofri ansiosamente
Mas tua imagem de santa
Nunca me saiu da mente
Por não receber notícias
Resolvi partir urgente"
Helena lhe respondeu:
"Perdoa anjo querido
Pois eu pensei que você
De mim estava esquecido
Mediante aquela carta
Julguei o caso perdido"
Apolinário lhe disse:
"É bom a gente esquecer
Aquela trama maldita
Que tanto nos fez sofrer
Tratemos doutros assuntos
Que nos dêem melhor prazer"
"Querida, vamos embora
Para o Rio de Janeiro
Vou comprar nossas passagens
De avião passageiro
E vamos casar no Rio
Perante Deus verdadeiro"
"Amanhã logo cedinho
Daqui eu viajarei
Para comprar as passagens
Mas à tarde voltarei
E aqui de novamente
Contigo conversarei"
E ali se despediram
Com um abraço apertado
Helena beijou-o chorando
Por ter ali renovado
Um amor que estava morto
Foi ali ressuscitado
No outro dia cedinho
Apolinário saiu
Já tinha dito a seu pai
O plano que decidiu
Que não falasse a ninguém
Ao velho preveniu
Foi à cidade comprou
As passagens de avião
Para o Rio de Janeiro
E ficou de prontidão
Para a noite de São Pedro
Foi marcado no talão
Nesse mesmo dia à tarde
Voltou bastante apressado
Para falar com Helena
Conforme havia tratado
Ela já o esperava
Naquele ponto marcado
Apolinário lhe disse:
"Helena minha querida
Comprei as nossas passagens
Se apronte e se decida
Pra na noite de São Pedro
Fazermos nossa partida"
Então aqueles dois jovens
Ficaram ansiosamente
Esperando aquela noite
Mas todo povo inocente
Somente os pais do rapaz
É que estavam ciente
O velho pai de Helena
Nisto não tinha cuidado
Sabia que Apolinário
Já havia se casado
E que tinha sido trama
Ninguém lhe tinha avisado
Então naquela fazenda
Do velho pai de Helena
Nessa noite de São Pedro
Ia haver uma novena
A casa estava enfeitada
Com flores de açucena
Como de fato que houve
Foi uma festa estupenda
Com diversas distrações
Muita bebida e merenda
Era tanta gente que
Não cabia na fazenda
Ali num grande forró
Dançava toda a moçada
Quando foi a meia-noite
No melhor da batucada
Helena se disfarçando
Fugiu na hora marcada
Apolinário já estava
Com um jipe lhe esperando
Helena chegando ali
Foram logo se beijando
Tomaram assento no jipe
E foram se despistando
Quando o dia de São Pedro
Já havia amanhecido
Os velhos pais de Helena
Fizeram grande alarido
Quando descobriram que
Helena tinha fugido
Ela já tinha chegado
Junto com Apolinário
Dentro do Rio de Janeiro
Aprontaram o necessário
E no outro dia à tarde
Foram aos pés do vigário
Enquanto ali todo o povo
Comentava o que se deu
Com oito dias depois
Que isto aconteceu
O velho pai de Helena
Uma carta recebeu
Vieram as fotografias
De Apolinário e Helena
Ela de véu e grinalda
E um buquê de açucena
O velho de tanta ira
Quase que se envenena
A carta dizia assim:
"Meu caro sogro estimado
Abençoe sua filha
E fique bem conformado
Desculpe a Apolinário
Este seu genro e criado"
A viúva quando viu
Apolinário casado
Levada pelo desgosto
Vibrou um golpe acertado
Em cima do próprio peito
Seguiu num barco furado
FIM
ABC da saudade
Ausente de ti querida
Que alegria posso ter
Quanto mais tempo se passa
Suspiro por não ti ver
Tanto tem a tua ausência
Como tem meu padecerBasta dizer-te que vivo
Nesta cruel solidão
Me lembrando do momento
De nossa separação
Sentindo uma atroz saudade
Dentro do meu coração
Constante sempre serei
Nesta vida até a morte
Pedindo a Deus paciência
Para cumprir esta sorte
Fora de ti mais ninguém
Eu não quero por consorte.
Dentro do meu peito tem
Um cravo com um botão
Murchando por não tiver
Prenda do meu coração
Tua ausência me perturba
Meu peito sente aflição
Eu triste sempre serei
Sem a tua companhia
Sem tu querida não posso
Viver contente um só dia
Em vivermos separados
Meu peito sente agonia
Falando sempre a verdade
Porque não posso negar
Amo-te sempre deveras
Não deixo de te amar
Quando Deus mandar a morte
Deixarei de te amar
Grande coisa é amar
Quando é grande o bem querer
O amor é como o tempo
Não há quem faça-o morrer
Do amor parte a saudade
Para aumentar o sofrer.
Horroroso é se amar
Nem o outro querer bem
O amor é um mistério
Que de muito longe vem
É ele absoluto
Não presta conta a ninguém
Irei sempre te amando
Com mais pura lealdade
Não posso viver ausente
De ti, pois tenho saudade
Serei firme ao teu amor
Até na eternidade
Juro por Deus a verdade
Que hei de ser-te leal
Tuas faces para mim
É um grande cabedal
Serei constante contigo
Até na hora final
Quiosque cheio de flores
Pertinho da beira-mar
Borboletas que doidejam
Venham alívio me dar
Que meu bem está distante
Não pode me consolar
Limeira bela e frondosa
Cheia de lima madura
Fonte d'água cristalina
Onde o poder da natura
Conserva a minha querida
Tão dócil tão linda e pura
Morada que tanto andei
Terreiro que me sentava
Ao lado do meu amor
Quando a lua prateava
Muitas vezes uma canção
No violão entoava
Neste lugar em que vive
Minha alma penalizada
Dando mais de mil suspiros
Por tua face adorada
Pelo teu porte mimoso
Pelo teu olhar de fadaOrando sempre a Jesus
Toda noite e todo dia
Para que tu venhas logo
Me dar repleta alegria
Não tenho amor ao viver
Sem a tua companhia
Pensativo sempre ando
Sem tuas faces querida
Pedindo a Deus que não seja
Minha esperança perdida
Minha ausência me tortura
Não tenho gosto na vida
Quando olho para o lado
Que o meu benzinho mora
Meu peito geme e suspira
Minha alma soluça e chora
Não tenho descanso nunca
Sem tu querida, uma hora
Risonhamente eu te via
No teu lindo casarão
Quando o luar prateava
Numa noite de verão
Tudo isso são saudades
Dentro do meu coração
Saudades muitas saudades
Vivendo de ti distante
Sem tu não vivo no mundo
Satisfeito um só instante
Fora de ti mais ninguém
Eu não quero por amante
Tempo ditoso eu passei
Quando vivia ao teu lado
Estava num paraíso
O meu coração guardado
Hoje distante de ti
Sinto ele amargurado
Unir-me contigo eu quero
Para sempre meu amor
Até na hora da morte
Por ordem do Criador
O amor quando é leal
Não acha competidor
Vai este como lembrança
De nossa eterna amizade
Pedindo a Deus que der
Saúde e felicidade
Vivo distante de ti
Dentro de um mar de saudade
Xexeuzinho de coqueiro
Que vive sempre cantando
Vai dar notícia ao meu bem
Que aqui estou penando
A falta de seus carinhos
Vivo sempre suspirando
Ypiranga hino sagrado
Do nosso belo Brasil
Muitas vezes tu cantavas
Com o teu gesto gentil
A voz subia ao espaço
Do horizonte cor de anil
Zombar não zombo de ti
Porque te tenho paixão
Nas letras deste A B C
Te dei minha explicação
Te ofereço meu amor
Guardas no teu coração
voltar
A vida de um grande folclorista brasileiro, por Rodolfo Coelho Cavalcante
ou um escritor popular
Que me tornei jornalista
E agora depois de velho
Mesmo sem ser romancista
Tornei-me até um biógrafo
Por isso entrego ao tipógrafo
A vida de um folcloristaNo Brasil: Leonardo Mota,
Coutinho Filho, Cascudo,
Suassuna, Alceu Maynard,
Mário de Andrade no estudo
Do folclore brasileiro
Também Edison Carneiro
Do povo falaram tudo
Lessa — no Rio de Janeiro
Alagoas — Téo Brandão
Tenório Rocha, em Recife
O Liedo Maranhão,
Provaram que não se inventa
O folclore, se apresenta
Sem qualquer alteração
Neste folheto apresento
Um ilustre educador
Que é doutor João Chiarini
Renomado professor,
Vem o folclore ensinando
Do povo ao povo mostrando
Tudo que exprime valor
Nasceu doutor João Chiarini
Na cidade paulistana
Por nome Piracicaba
Cuja terra é soberana
No folclore que irradia,
Seu clima e topografia
Todo turista se ufana
Filho de Pedro Chiarini
Cidadão laborioso
E de Eulália Romero
Que soube honrar seu esposo,
Por esse casal de brilho
Veio João Chiarini seu filho
Folclorista valoroso
No ano de dezenove
O folclorista nasceu
Dezessete de novembro
Nesse dia apareceu
Em Piracicaba um astro
Para iluminar o mastro
Dos Chiarini nome seu
De João Chiarini e Maria
Mônica — os avós paternos;
De João Romero e Maria
Garcia — os avós maternos;
Dos Chiarini e Garcia
E dos Romero surgia
Um filho com dons eternos
Nossa genealogia
Nos Chiarini se firmou;
Desde criança aos estudos
Com altivez cultivou,
Ouvindo cururuzeiros
E os poetas violeiros
A sua infância passou
Aonde houvese folguedos
Do folclore nacional
João Chiarini, em criança,
Corria até o local
E bastante embevecido
Interrogava o sentido
Da sua origem, afinal
Foi ele assim pesquisando
Todos os festejos que havia
Fazendo os apontamentos,
Até que chegou o dia
Dentro de um estilo novo
Do povo mostrar ao povo
Que o próprio povo fazia
O seu livro: Cururu
Mostrou ao país inteiro
O folclore paulistano
Dentro do melhor roteiro,
Enfim todas as toadas
Como são apresentadas
Pelo bom cururuzeiro
O Verdadeiro falar
do caipiracicabano
Chiarini mostrou num livro
Em cinqüenta e sete o ano
Que a crítica elogiou
Pelo que ele pesquisou
Sem se mostrar profano
Foi no seu livro: O folclore
Da aguardente que provou
Ser um grande folclorista
No texto que apresentou,
Não folclore regional,
Porém sim, nacional
Que todo mundo gostou
Quem leu a obra: Folclore
de Piracicaba, bem
Ama a Noiva da colina
Que não inveja a ninguém,
Se folclore é tradição
Será morta a região
Que seu folclore não tem
Lendo a Festa do Divino
Trabalho do professor
Que é doutor João Chiarini
Sentirá nele o leitor
O mito e a realidade
Na religiosidade
Com misticismo de amor
voltar
O seu livro: Antologia
do cordel, por seus fulgores
Mostra uma panorâmica
Dos poetas trovadores
Que no Nordeste fulguram
E por certo se estruturam
Em reais educadoresIrá sair, brevemente,
Seu livro: A superstição
Do estado de São Paulo
E nele o professor João
Chiarini bem sustenta
Que folclore não se inventa
Ocultando a tradição
No Primeiro Festival
Pandorgas pela gente
Do Uruguai — foi Chiarini
Escolhido presidente,
Digo mais: O festival
Foi internacional,
Em abril — ano corrente
No Segundo Festival
de Papagaios, leitores
Foi doutor João Chiarini
Pelos seus altos valores
O juiz e desta forma
Soube dar a melhor norma
Agradando aos promotores
Foi vereador eleito
Por todo seu predicado
No ano cinqüenta e dois,
Pelo povo mais votado,
Porém, por sua analítica
Abandonou a política
Hoje é bom advogado
Pertence o nosso causídico
A centenas de entidades
Nacionais, estrangeiras
E várias sociedades,
O seu nome não se esconde
Porque ele corresponde
Com centenas de cidades
É presidente do Centro
de Folclore — conhecido
Por nome — Piracicaba
Pelo seu trabalho erguido,
Se tornando essa entidade
De cabal utilidade
De valor reconhecido
Mais de cinco mil artigos
Espalhados em jornais
Sobre folclore e dois mil
Pelos seus temas gerais
João Chiarini publicou
E por isso comprovou
Ser jornalista capaz
Quase três mil conferências
Sobre folclore e cultura
Em assuntos variados
Na sua boa estrutura
Tem brilhado o folclorista
Por seu um conferencista
De uma elevada figura
É Chiarini presidente
Na sua própria cidade
Da Academia de Letras
Pela sua idoneidade,
Seu mandato neste ano
Diz o piracicabano;
Finda, deixando saudade!
Da Academia Santista
de Letras como escritor
E à do Rio Grande do Sul
Pertence por seu valor;
Assim a biografia
De Chiarini em poesia
Vai narrando o trovador
Hoje, em ciências e letras
É João Chiarini formado;
Cursou direito em São Carlos
Com diploma comprovado;
Não é um sandeu qualquer
Mostra pelo seu mister
Ser um bom advogado
Também sociologia
E política cursou,
Folclorista de renome
Na carreira que abraçou
Cursando em filosofia
Tem plena garantia
Dos cursos que conquistou
Benfeitor dos trovadores
Do nosso país inteiro
Pois é o homem que incentiva
Todo e qualquer violeiro
E ao cordel nordestino
Tem dado o melhor destino
Do seu nome no estrangeiro
É pena que o trovador
Mais popular da Bahia
Não possa se externar mais
Narrando a biografia
Do professor João Chiarini
O homem que se define
Sem usar demagogia
Rico de imaginação
O grande conferencista,
Defensor da gente humilde
O excelente jornalista,
Lutando contra empecilhos
Fulgura pelos seus brilhos
O portento folclorista
voltar
A peleja de Leandro Gomes com uma velha de Sergipe, por Leandro Gomes de Barros
Eu ainda estava orelhudo
Com estes versos que faço
Porque nunca achei poeta
Que me fizesse embaraço
Porém uma velha agora
Quase me quebra a cachaçaA velha fez-me subir
Onde nem urubu vai
Andei numa dependura
Já está cai ou não cai
Ainda chamei tio o gato
Tratei cachorro por pai
Quando partiu foi babando
O corpo vinha tremendo
Antes de dar boa noite
De longe me foi dizendo:
"Meu amigo eu venho metê-lo
Entre um quente e dois fervendo"
Eu sei que o senhor é duro
Eu cá sou da mansidão
Porém só pode salvar-se
Se eu lhe der a certidão
Pois o boi na terra alheia
Até as vacas lhe dão
Eu andava nos meus negócios
No estado de Sergipe
Uma noite me hospedei
Em casa de um tal Felipe
Aonde havia uma velha
Da serra do Araripe
Disse-me o dono da casa:
— Eu aqui tenho um colosso
Uma poetisa velha
Que dá em poeta moço
Quem faz verso nesta terra
Está hoje comendo grosso
Eu disse: — Senhor Felipe
Garanto a vossa mercê
Que neste planeta terra
Não há mulher que me dê
O velho olhou para mim
E perguntou-me: — Por quê?
E disse: — Digo-lhe já
Moleque não me dá vaia
Parola não me intimida
Nem pabulagens me ensaia
E nas unhas dessa velha
Não há duro que não caia
Disse o velho: — Sr. Barros
A velha é prova de fogo
Discute com qualquer um
E não precisa de rogo
Eu disse: — Traga ela cá
A boca é quem faz o jogo
O velho Felipe disse:
— Venha cá dona Manhosa
Se apronte para ver
A questão mais perigosa
A velha de lá soltou
Uma risada gostosa
A velha disse: — Já vou
E com pouco mais saiu
Então chegando na sala
Torceu a cara e cuspiu
Sentou-se num banco velho
Tomou tabaco e tossiu
Eu quando vi a marmota
Alta, seca e carrancuda
Tirar-me uns olhos cinzentos
Se conservando sisuda
Eu disse com meus botões
Não há santo que me acuda
Então perguntou ali:
— Felipe para que me quer?
Chamou-me com tal vexame
Que nem aprontei-me sequer!
— Para mostrar-lhe o escritor
De peso de uma mulher
A velha cravou-me a vista
E fez um calcarejado
Olhou-me de baixo acima
Botou os quartos de um lado
Rosnou e partiu a mim
De chapéu de sol armado
Chegou e disse: — Sr. Barros
Eu desejava encontrá-lo
Porque pelos seus escritos
Não deixo de censurá-lo
Só quem não tem consciência
Deixará de criticá-lo
Eu disse: — Minha senhora
São os revezes da sorte
O gênio tem dois destinos:
É um fraco e outro forte
Uns blasfemam contra a vida
Outros aplaudem a morte
Perguntou ela: - Por que?
Fala o senhor de mulher?
Não aprendeu desculpar
As faltas que uma tiver?
Nem a sua própria mãe
Você não ira sequer
Respondi: — Minha senhora
Isto não quer dizer nada
Eu não falo sobre a honra
De uma donzela ou casada
Digo apenas, a mulher
É uma carga pesada
Ela suspirou e disse:
— Fique certo meu amigo
Que para qualquer mulher
Casamento é um perigo
Casar-se com certos homens
Não dar-se maior castigo
Eu disse a ela: — Colega
Você pode calcular
Uma mulher fica em casa
O homem vai trabalhar
Com o suor de seu rosto
Ganho para ela estragar
A velha disse: — Não há
Marido sem mau costume
Quando não é cachaceiro
É vadio e tem ciúme
Nestas condições assim
Não há mulher que se arrume
Eu disse: — Minha senhora
O homem é um inocente
Trabalha para viver
Até morrer ou ficar doente
Ela que fica em casa
Estraga danadamente
Sai logo de madrugada
Vai ao campo trabalhar
A mulher fica deitada
Sem nada a incomodar
De nove para dez horas
É que vai se levantar
A velha diz isto assim:
— É coisa que não convém
Quem trabalha o dia inteiro
Há de descansar também
A mulher não é de ferro
Nem escrava de ninguém
— A senhora fique certa
O que digo é com razão
A mulher geme sem dor
E gesta sem precisão
Casamento é para o homem
É ascarosa prisão
Disse a velha: —- Meu senhor
Não há marido que sirva
Por melhor que a mulher seja
Trabalhadora e ativa
Ele traz a vista nela
É capaz de a comer viva
Eu disse: — Minha senhora
Marido nenhum faz isso
Sacrificar-se por ela
Isso é claro e bem visto
Ela diz com seus botões
Carrego a madeira, Cristo
Disse a velha: — Vossa mercê
Não parece ser casado
Se achou mulher que coisse
Eu lamento o seu estado
Como também me parece
Que o senhor foi enjeitado
Eu aí pensei um pouco
E disse com meus botões:
Essa cabra velha tem
Miseráveis expressões
Agora me deu o título
De filho de dez tostões
Disse a velha: — Porque acha
Pesado assim a mulher
E diz que é um animal
Que nele não há mister
Só por ela lhe pedir
O que em casa não tiver?
Levanta que a mulher pede
Verdura, fruta e toucinho
Banha, massa de tomate
Alho, pimenta, cominho
Se não pedir ao marido
Há de pedir ao vizinho?
O senhor diz que a mulher
De todas formas atrasa
Porque o pires quebrou-se
O bule largou a asa
A chaleira está velha
No fogo fura-se e vaza
voltar
Não querendo despesa
Procure um jeito qualquer
Faça de uma cuia um prato
E de um espeto talher
Deixe de comprar fazenda
Viva nu com a mulherEu disse dentro de mim
O que serpente assanhada
Qual seria a cascavel
Quem pariu essa danada
Fiz logo sinal da cruz
Disse: votes excomungada
Lhe disse: — A senhora sabe
Que a mulher é uma cruz
E sofre mais do que Cristo
O marido que a conduz
É um cego no deserto
Vaga sem guia e sem luz
Disse ela: — E a mulher
A que ponto vem chegar?
Haverá maior sentença
Do que uma se casar?
Só ela pensa no genro
Que a mãe tem que suportar
Eu disse: — Minha senhora
Ainda não ouvir dizer
Que um genro neste mundo
Fizesse a sogra sofrer
Só esse nome de sogra
Faz ele todo tremer
A velha disse: — O senhor
É muito livre em falar
Põe defeito em quem criou
Uma filha para te dar
Você agradece tanto
Quem paga em maltrator
O senhor chora a despesa
Que com a família tem
Para que foi se casar?
Não obrigou ninguém
A mulher está na razão
De fazer queixa também
Ele vai para o trabalho
Volta a hora que quiser
Deixando com que em casa
Pode ordenar a mulher
E escolher da cozinha
A comida que quiser
Vem cansado chega em casa
Deita-se e vai descansar
Ela vai para cozinha
Fazer almoço e jantar
Depois da mesa está posta
A mulher vai o chamar
Acorda-o com muito jeito
Trata-o com muito carinho
Diz o jantar está pronto
Vamos jantar meu negrinho
Eu esperei por você
Você não janta sozinho
Me diga agora senhor
O que quer que a mulher faça
Além de criar a família
Suportar mais a desgraça
Ter um marido vadio
Que jogue e beba cachaça
Quando no fim da semana
Vai o homem fazer a feira
Gasta o dinheiro das compras
No jogo e na bebedeira
A mulher passando em casa
Com fome a semana inteira
Porque ele não traz nada
A pobre infeliz não come
Se os pais não morassem perto
Ela teria que passar fome
Pois o marido lhe trouxe
Cachaça, empurrão e nome
Eu pergunto-lhe: — A senhora
Teve em algum tempo marido?
— Tive quatro disse ela
Cada qual mais atrevido
Ainda dou graças a Deus
Eles já terem morrido
Eu disse: — Minha senhora
Eu quero lhe confessar
Infeliz de um desses quatro
Que chegasse a escapar
Os sofrimentos de todos
Qualquer pode calcular
Ela disse: — Sim, senhor
No brando o senhor se estende
Não venha com panos mornos
Aonde tem quem entende
Quem por si julgar a mim
Já vê que assim não me ofende
Eu não fui tão mal casada
Como senhor. está pensando
Tive poucas desavenças
Sempre estava tolerando
Tive muita paciência
Meu gênio sempre foi brando
Mas meu primeiro marido
Fez-me demais esta assim:
Para casar-se com outra
Tencionava me dar fim
O segundo envenenou-se
E não era o mais ruim
O terceiro desgostou
Por eu não ser muito alva
Dizia sempre por fora
Que eu o envergonhava
Sabe o que fez uma vez?
Quis me vender como escrava
O quarto era homem sério
Dizia ser bom marido
Esse só faltou fazer-me
Beber chumbo derretido
Roubou-me para jogar
Sapatos, xale e vestido
E assim mesmo o senhor
Só se refere à mulher
Contar as faltas do homem
Isso o senhor não quer
Eu tenho lembrança
Digo tudo que um tiver
Eu disse: — Vossa mercê
É uma fera no campo
Bafejo de sua boca
Onde bater tira o tampo
Seu pensamento é a cólera
E sua língua sarampo
Disse a velha: — Sim senhor
Você gosta de ferir
Agrava a quem não lhe ofende
E pode até lhe servir
E desses que quer dizer
Porém não gosta de ouvir
Então eu lhe perguntei:
— Já acabou de falar?
— Não principiei agora
Inda tenho o que falar
Eu sou velha neste mundo
Não ando por ver andar
Eu disse: — Também sou velho
Sou corrido e traquejado
Eu tenho visto as misérias
Que no mundo tem se dado
E milhares de mulheres
As manhas têm me ensinado
Uma mocinha solteira
Dana-se para namorar
Com mesuras e carinhos
Faz o homem se levar
Para iludi-lo, chora
E sorri para o matar
A mulher é o objeto
A quem eu quero mais bem
Não há quem conte as maldades
Que a mulher consigo tem
Todos acreditam nela
Ela não crê em ninguém
Então a velha me disse:
— O homem é malicioso
Entre os homens verdadeiro
Tira-se o mais mentiroso
Cheio de sofismações
Impuro pecaminoso
Quando a velha se calou
Que deu-se fim à contenda
Eu disse: Só no inferno
Se achará desta fazenda
Foi o diabo sem dúvida
Que mandou-me esta encomenda
Eu ainda não tinha achado
Quem fizesse eu me calar
Mas a demanda da velha
Fez até eu me engasgar
Botou-me em cantos tão feios
Que eu não julguei mais voltar
Quando foi no outro dia
Arrumei-me, fui embora
Com medo que a tal serpente
Tornasse a vir cá fora
Jurei não voltar mais
Aonde o tal diabo mora%HOTWORDFINALDOTEXTO%
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